Maputo (Canalmoz) – O Governo decidiu aumentar o preço dos combustíveis em cerca de 10%, naquilo que é a subida mais alta de todos os tempos. A gasolina passa de 62,50 o litro para 69,04 por litro, uma subida de 7,00 meticais. O “diesel” passa de 57,00 meticais por litro para 61,71 meticais por litro, um aumento de mais de 4,00 meticais. O gás de cozinha passa de 58,18 meticais para 71,00 meticais por quilograma.
Não são precisos grandes conhecimentos de macro-economia para prever que a consequência imediata é uma espiral de subida generalizada dos preços de produtos cuja cadeia de fornecimento ao público está directamente dependente do combustível.
Se é certo que as contas do pacato cidadão ficam completamente estranguladas para responder ao aumento do preço dos produtos básicos que fazem o prato do cidadão moçambicano, já não é muito certo sobre o que vai acontecer quando o preço do transporte público também for aumentado. Em qualquer parte do Mundo, esta subida e as suas consequências levariam o povo à rua para dizer “Basta!”. Mas, por cá, o Governo obteve uma apólice de cobardia e indiferença, que lhe dá quase a plena certeza de que tudo vai acabar nas lamúrias nas redes sociais, sem grandes consequências políticas.
Mas essa apólice tem o condão de ser muito volátil, por ter mais de metade de margem de erro. Quando, em 2005 e em 2008, o povo paralisar as cidades de Maputo e Matola, em protesto contra o custo e vida, o Governo acabava de aumentar o custo de vida, contando com a apólice da apatia popular. E deu no que deu.
Mas o mais grave não é contar com a apatia do povo para o cavalgar. O mais grave é alinhar uns chefes de família nas televisões e nos jornais para defenderem uma narrativa segundo a qual a única alternativa é a que se tomou, porque é essa a tendência internacional, indicando que Moçambique tem os preços mais baixos da região.
Ora, se é verdade que a actual subida em 10% tem como argumento de fundo a subida no mercado internacional, como é que se explica que, quando, em Abril de 2020, se verificou a maior queda de sempre do preço do crude no mercado internacional, com o preço do barril de petróleo a ser transaccionado a 37,63 dólares negativos, o que representava uma redução de 157% em relação ao ano de 2019, não tenhamos assistido a uma redução acentuada?
Nessa altura, os vendedores do crude estavam dispostos a pagar 37,63 dólares para os clientes que quisessem celebrar contratos de compra de petróleo para entrega posterior, e, desta forma, aliviar os elevados custos de armazenamento gerados pela oferta excedentária face à contínua queda da procura.
A eclosão da pandemia de covid-19 precipitou o estrangulamento do mercado de petróleo. Na altura, o preço do barril baixou para 22 dólares, tendo sido de 53 dólares em Fevereiro. O “lockdown” de várias economias tornou o combustível um bem dispensável para a economia, com menos carros e máquinas a funcionarem.
É muito estranho que, quando o preço do barril no mercado internacional sobe, o efeito é logo imediato em Moçambique. Mas, quando baixa, o efeito é retardado, e há uma narrativa que o cartel de importação de combustíveis adora: é a narrativa sobre as encomendas, que nunca coincidem com a redução, só coincidem com a subida. Normalmente, os combustíveis que estão em consumo foram importados há três meses e em condições diferentes das actuais. Mas nunca temos a sorte de coincidir com a baixa de preços, ainda que seja muito acentuada. O que temos mesmo é, invariavelmente, o azar de coincidir com as subidas, como acontece desta vez.
Mas, de uma ou de outra forma, tudo isso é conversa daqueles cujo trabalho consiste em sentarem-se frente ao computador e inventarem narrativas para saquear do povo. O problema mesmo é que quem está no Estado a decidir sobre em que condições a população deve viver coincide com quem tem ganhos no cartel de importação e distribuição de combustíveis. Essa é que é questão central, por isso, ainda que o preço baixe no mercado internacional, isso nunca terá efeito sobre o cidadão, porque aqueles que decidem sobre essas coisas têm, eles próprios, um único interesse: que o combustível apenas suba, e o povo que se desenrasque.
Basta ver que os analistas que são alinhados para defenderem este holocausto social que está a ser servido ao povo até procuram outras realidades, num método comparativo altamente mafioso. Comparam duas realidades incomparáveis, ou trocam fraudulentamente as variáveis. Quando trazem exemplos de países em que o combustível está mais caro, esquecem-se, por exemplo, de indicar qual é o salário mínimo que se ganha nesses países, de onde sai o dinheiro para comprar o tal combustível. Fingem que nesses países há um sistema de transporte minimamente funcional. Em Moçambique, quase todos andariam de transporte público em nome da poupança, se houvesse o mínimo de dignidade nesse sistema. Aliás, nem para ser transportado como gado há disponibilidade de carroças.
Por outro lado, simulam amnésia para não se recordarem que o salário mínimo em Moçambique apenas aumentou o equivalente a duas cervejas baratas.
Em tudo isto, o que se evidencia é que, em vez de se governar, vai-se encontrando formas de tramar o povo, e, como bónus, oferecem uns analistas pagos à cerveja, para endossar narrativas absolutamente insanas. Enquanto isso, o povo é deixado cada vez mais sem alternativa. Ninguém veio a público explicar como é que os moçambicanos passarão a viver. Primeiro, porque os que tomam essas decisões nem sequer compram o combustível que usam, ainda que seja a título de empreendedores privados. Segundo, porque juraram não tomar nenhuma responsabilidade sobre o país e o seu povo.
Só quem se demitiu de dirigir o país é capaz de escolher como alternativa deixar o povo sem alternativa.
Mas talvez o povo esteja a precisar deste extremismo para acordar do sono profundo e assumir as suas responsabilidades de exigir o melhor. Não nos parece que este calvário seja uma fatalidade. Há ainda alternativa. Mas, se não formos capazes de rejeitar este extremismo, isso só inspirará quem toma essas decisões, porque o fará ciente de que ainda podemos aguentar mais. O nosso silêncio colectivo é que oleia esta máquina que tritura a nossa esperança. A nossa indiferença é que alimenta o apetite impiedoso com que nos sugam o sangue. A pergunta é: ainda podemos aguentar mais? (Canal de Moçambique)